quarta-feira, 24 de abril de 2024

Somos Livres

 



Todos têm uma canção. Esta foi das primeiras que aprendi e liguei a Abril. É boa de trautear e popular. E era das que a minha mãe cantava.

Todos têm uma palavra amada, estimada, guardada como um tesouro.

Gosto mesmo da palavra liberdade, gosto ainda mais da minha liberdade, estimo-a, pratico-a, sinto-a. Ao longo da vida senti as pequenas ameaças. Mas agora parecem crescer, já não em torno de mim, mas em torno de todos nós.

Por isso o cravo do LD tocou-me.

 Biblioteca de Palmela


E que bonito isto.

Descemos amanhã a avenida?!

retirado daqui: https://www.tndm.pt/pt/odisseia-nacional/pecas/25-de-abril-de-1974/


~CC~


segunda-feira, 22 de abril de 2024

A minha poesia

 

Aquele sorriso, ano e meio a trabalharmos juntas. Um 19 bem merecido. E atrás dessa classificação miúdos que viram tanta coisa no quadro da Guernica, que discutiram o que era a guerra, que encontraram espaço para falar da Ucrânia e da Rússia, coisas que só superficialmente lhes entram em casa e sobre as quais ninguém fala com eles. O trabalho final da tese tem lá dentro tudo isso. 

Dizem-me que trabalho muito. Senti-o as vezes sem conta como uma crítica. E muitas vezes não soube o que responder. 

Mas hoje ocorre-me dizer que formo pessoas para formarem outras pessoas e que empregar muito do meu tempo nisso não é certamente uma coisa negativa, bem pelo contrário, é essa a minha obra. Do registo disso pouco haverá, pouco se dirá, pouco se escreverá. Mas pouco importa, é a minha poesia.

~CC~


domingo, 21 de abril de 2024

Não me quero perder


 Caldas da Rainha, Portugal


A maior parte das pessoas tem medo do seu envelhecer externo, dos cabelos brancos, das rugas, das pregas por baixo dos braços e em torno dos lábios, de tudo o que significa a decadência do corpo. Nessa matéria, a diminuição da mobilidade é o que me assusta mais.

Mas o que me assusta mesmo é o que vejo acontecer por dentro das pessoas. Um envelhecer feito de desatenção ao outro, um excessivo centralismo nas necessidades do próprio, a diminuição da empatia e da consideração pelo que os outros sentem ou fazem. Por outro lado, quando o analiso, parece-me que provavelmente essas pessoas sempre foram assim e essas características só se acentuaram com a idade. Mas acentuaram-se, de repente apenas eles estão no centro do mundo e torna-se difícil dizer-lhes que existimos por dentro da carne, temos sangue, suor, lágrimas, vidas muito cheias de tudo, tão cheias de coisas que lhes poderíamos contar, caso nos pudessem ouvir. Mas já não querem, isto se algumas vez quiseram. Vou buscar às vezes algo para lhes dar ao cerne da bondade que me habita, mas como não sou só bondade, às vezes não consigo.

Gostava de envelhecer atenta aos outros e às suas necessidades, com capacidade de escuta activa. Ontem vi um bebé que não devia ter mais de dois meses e estava ao meu lado num evento público, ao colo da sua cuidadora (a mãe estava em palco) todo ele era desejo de relação, ele sorria, olhava atento e tentava chamar a nossa atenção. Uma maravilha de ser humano na pequenez da sua existência. Onde nos perdemos? Não me quero perder.

~CC~



quinta-feira, 18 de abril de 2024

Todos juntos no palco do teatro

 


Houve partes muito difíceis, fechei os olhos e apetecia-me tapar os ouvidos. Os relatos da tortura nas prisões da pide causaram-me mal estar, enjoo. Nas partes mais arrepiantes duvidei mesmo que pudesse ser assim. Mas no final a encenadora (Teresa Sobral) chamou-os, os que prestaram depoimentos e tinham estado ali todo o tempo, bem no meio de nós. E o menino que aparece abraçado pela sua mãe presa, os olhos baixos, esse menino é um dos actores da peça. Mas foi com a alegria que chorei, com aquelas imagens de um povo em festa, a comoção de ter sido possível e ter sido tão bonito. Eu era só uma miúda, lá longe num quintal, a seguir os carreiros que as formigas enormes faziam. A primeira consciência que tive da desigualdade foi contudo ali, as meninas negras da escola perguntavam se podiam vir comigo e apanhar as mangas caídas por baixo da enorme árvore e eu abria-lhes em segredo o portão, pedindo para não fazerem muito barulho.

~CC~

terça-feira, 16 de abril de 2024

Tão belo como cruel o mundo.

 

Alentejo amado.

Lugar de tapetes alternados de flores amarelas, brancas, lilases. Terra a perder de vista.

Altas estevas nos lugares da serra, imagino perder-me entre elas, dissolver-me.

Céu imenso de azul, mais logo alaranjado e depois pleno de estrelas.

Bebo-te a beleza como um elixir de vida. Volto a sonhar com a casa branca com a chaminé grande e uma inscrição de números a condizer com o século passado. Isso tudo com a consciência cada vez mais plena de nunca vir a acontecer. 

E como a vida não é apenas um postal ilustrado nem um sonho eternamente adiado, lá estão as fileiras de oliveiras alinhadas a perder de vista, parentes distantes daquelas que um dia conhecemos como livres e dispersas na paisagem. Tão belo como cruel o mundo.

~CC~