sábado, 9 de março de 2013

Andando por aí



Os empresários viajam muito, os grandes capitalistas imaginamos que também, talvez mais encapotados. Ou talvez nem precisem de viajar, basta um telemóvel e um portátil para deslocar capitais.
 
Estes últimos dias estive quase na pele deles, embora sem apanhar aviões, apenas comboios e taxis, domindo uma noite em cada cidade e ficando apenas no hotel sem nada ver da geografia dos rostos. Não ver as pessoas é fundamental em certos negócios. O hotel é uma especíe de território de ninguém, são quase indistintas as fardas dos funcionários e as suas frases, mais ou menos iguais as cores dos tapetes e dos cortinados e os plasmas de tamanho médio. Deve ser necessário não ver as ruas, os rostos, os olhos das pessoas para se exercer determinadas profissões, ou direi antes, funções.
 
No entanto, nós fomos a Trás os Montes. Seria impossível não ver as pessoas, eles dão mais ou menos abraços à moda de áfrica e apertos de mão vigorosos. O guião foi assim inevitavelmente quebrado. No final do dia, em vez de regressarmos ao hotel e à sua refeição inodora e incolor, levaram-nos entre vento e chuva pelas curvas e curvas da serra até uma aldeia. Parecia, à partida, ser um restaurante mas a luz estava apagada e ninguém lá dentro. Nós estavámos mais ou menos incrédulos por nos terem levado a um restaurante fechado depois do cansaço do dia e das curvas terríveis, ainda assim silenciosos como é conveniente a visitantes. Foi então que se abriu a porta de uma casa que ficava ao lado do restaurante e entrámos. A lareira estava acesa e uma criança brincava no sofá com a sua boneca. Ofereceram-nos a sua mesa de jantar e trouxeram umas maravilhosas entradas. Enquanto comiámos podíamos ver a senhora na cozinha preparando o prato seguinte com a ajuda da nora, enquanto o filho nos trazia a broa, o vinho, o sorriso. A senhora, maravilhosa cozinheira, talvez tenha respondido com três ou quatro palavras aos elogios que lhe dirigimos, contudo, manteve um sorriso quente permanente, um sorriso igual à comida que trouxe para a mesa.
 
Na volta um telefonema: vai lá ter e leva quatro copos, já sabes que és o aguadeiro. E ali brindámos com água quente a uma boa digestão e a que a vida nos trouxesse sempre gente tão simpática como esta. 
 
Creio que tal como na sala de aula quando se é professor, o afecto não prejudica em nada o objectivo do nosso trabalho, podemos ser e fomos critícos e elogiosos como seria desejável. A memória é, no entanto, traçada com o mapa dos rostos olhados, em vez de ser feita de geografia de hotel. No entanto, ainda assim, gostaria de ter visto mais cidade, mais gente.
 
~CC~
 
 
 
 
 
 
 

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