sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Para ver o sol nascer



É sempre o mesmo e desde há tantos anos, é sempre o mesmo e cada vez mais intensamente. Nada que possa pedir a ninguém. Algo que dificilmente conseguirei ter, construir. Existe a música para o meu desejo. E agora sei cada vez mais que é isso. Como é uma segunda vida deve ser difícil. Mas eu queria ter simplesmente um lugar de mato verde para semear e para colher.

A casinha caiada de branco tem uma chaminé com a inscrição de 1847. A lareira ficou, é a mesma onde um casal se sentou anos a fio a fazer torradas em chapa quente. As mesmas que faço hoje. Sobrou o forno do pão, ainda o uso às vezes quando sei que vai chegar a família. O céu é grande, cheio de estrelas. Nos caminhos em volta as estevas cresceram até à minha altura e posso perder-me no meio delas. Junto à casa há alguns girassóis, uma mão cheia deles, gosto de ver como se viram em busca do calor, iguais a mim. Hoje é dia de ensopado de borrego na tasca da aldeia e por isso não cozinho, não cozinhamos. Logo bastará uma sopa com os legumes que colhemos com as nossas mãos. Depois disso vamos à escola velha que é agora a nossa escola, é lá que o lugar do cante às Quintas Feiras, os nossos ensaios de teatro são à Terça, às vezes também nos juntamos ao Sábado à tarde. Lamento tanto ter chegado tão tarde, devia ter chegado mais cedo quando esta dor na anca ainda não me incomodava tanto. Deixei de pintar os cabelos no dia em que aqui cheguei, não por me ter tornado velha ou querer sê-lo, mas porque me fundi mais com a terra e o céu. Houve tanta coisa que deixou de me importar. Levanto-me quase sempre muito cedo como antes acontecia, mas antes era porque as horas nunca chegavam e eu sufocava na azáfama, agora é...

Para ver o sol nascer.
~CC~

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