sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Alentejo, esse lugar belo



Era para ter escrito Alentejo, o lugar mais belo mas refreei esse julgamento por não ter o direito de o colocar assim à frente de todos os outros lugares belos deste país. Era, no entanto, capaz de o dizer assim para mim, na intimidade. Atravessei-o hoje com sol e vento, essas ondas leves de terra misturadas com as nuvens ora brancas, ora rosas, ora cinzentas, é esse céu enorme que se cola à nossa alma. Não podia ser o cante de outro lugar porque tudo nele é choro, festa, pão e cheiro a ervas. Pode uma não alentejana tornar-se alentejana? Gostava. Meio caminho andando foi a emoção que senti, não obstante estas coisas valerem o que valem. Nada me liga ao lugar, não nasci lá, não tenho lá família, nunca lá morei. E no entanto, como é fácil sentir-me de lá. 

Um abraço a todos e a todas essas mulheres que cantam desse modo tão singular.

~CC~

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Os moços e as moças



Ontem, na aula (as minhas aulas têm esta hipótese de qb de intimidade em algumas unidades curriculares*) os moços desataram a falar das suas fragilidades e do que os fazia sentir mal. Eu estava estupefacta com a diferença entre os meus 18 anos e os deles. Quase todos se afirmavam negativos, pouco confiantes, com pouca auto-estima (mas quem é que os terá ensinado a usar esta palavra...), num painel impressionante de depressão colectiva em idade tão jovem. Que lhes teremos feito? O que é que este país lhe terá dado? Eu aos 18 anos tinha imensa esperança, queria fazer muitas e muitas coisas e apesar de ser reservada e tímida, tinha confiança nas minhas capacidades. 

Só um dos jovens se destacou para dizer: eu, o que eu tenho medo é da minha raiva, medo de levar tudo à frente.

Ora estamos conversados.

~CC~











* também é  a palavra da moda para disciplinas ou cadeiras.

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Que voz tem a comunidade?!


"A comunidade reage"...belo título que o povo de Canelas encontrou para o seu protesto. Ainda há quem proteste, não sei se a razão está ou não do lado deles. Mas importa-me que se incomodem, que se rebelem, que questionem a autoridade do Bispo. Com inegável carisma, juventude e um palminho de cara, o padre Roberto tinha a sua paróquia na mão. Este laço fez-se a partir do tempo que parece ter dispensado para estar com as pessoas, da igreja sempre aberta, da exteriorização alegre da fé, da capacidade de mostrar afecto, inflamação no discurso, posições tomadas contra o uso do dinheiro da igreja em estatuária sem grande interesse para a população. De resto toda a explicação do carisma é insuficiente para o explicar. Uma delícia antropológica o padre expulso e a população que por ele chora.

O padre Roberto seria assim um populista como agora é habitual dizer-se. Curiosamente um populista e justiceiro da fé católica. Ou será que esse termo só se usa para denegrir os políticos desalinhados? Bem sabemos que o discurso que se põe do lado do povo pode ser perigoso. Mas o seu poder de assustar os bem alojados no poder tem imensa graça, entusiasma-nos por momentos, mesmo se não resiste a um olhar mais atento. Há na insatisfação popular uma dose de indignação que me agrada. Mas...


O povo que parece ter razão e grita pelo seu padre é o mesmo que manda o padre novo cortar a barba e o cabelo, tão conservador onde antes parecia arrojado. O problema do populismo é que é bom para derrotar mas não é suficiente para construir, é arrojado na emoção mas falta-lhe a razão. O padre que é um anjo não pode ser aquele que acusam de ter uma amante mulher e depois um amante homem, mesmo que seja verdade não pode ser porque os deuses não têm pés de barro nem estão sujeitos às fraquezas humanas. Sacralizar, criar heróis com pinta de anti-heróis; eleger palhaços, prostitutas, travestis, padres populares, sim...é o que nos apetece para quebrar a infinita cadeia dos jovens saídos das juventudes partidárias. Mas temo que o caminho não seja ainda por aí.

~CC~



sábado, 22 de novembro de 2014

Fila H (2)



Rever Bergman no ciclo que lhe foi dedicado foi um mergulho na mudança do mundo que ocorreu no século XX, no comportamento dos homens e das mulheres sobretudo. Mas Bergman era um realizador europeu conhecido e tinha visto alguns dos filmes mais tardios dele. O ciclo que agora é dedicado a Satyajit Ray surpreendeu-me mais, a mim provavelmente a todos os que nasceram na década de 60, já que a maior parte dos filmes dele é desta década, sobretudo os mais conhecidos. Bergman e Ray, vivendo e filmando em zonas tão diferentes do mundo têm pontos de contacto quer do ponto de vista técnico, quer de conteúdo. E diria que sobretudo este é o cinema que vingava antes do cinema americano ter dominado o mundo. Os filmes são longos, a câmara demora-se sobre os rostos, foca os olhos, um pedacinho de boca, um objecto no chão, um pássaro numa gaiola. Não sei se se filmava tudo com mais tempo ou também se vivia com mais tempo, fica-me a dúvida. Certo é que o ritmo é totalmente diferente do cinema americano. O conteúdo de Bergman e Ray é o mesmo, as relações humanas, sobretudo entre homens e mulheres, o medo, a traição, o amor, a solidão. 

Charulata, o filme da fila H de ontem. Meia dúzia de pessoas no cinema, muito menos do que no ciclo do Bergman. Ray é hoje um perfeito desconhecido, para mim também que me julgo minimamente amante de cinema. Os mais entendidos, os especialistas, claro, sabem muito dele. O filme é excelente na forma como mostra o domínio humano sobre a paixão em prol da lealdade, provavelmente do amor. O fósforo que risca e incendeia em contraste com a vela que arde lentamente mas que não se apaga. Dois jovens apaixonados renunciam a uma paixão em prol de um terceiro homem mais velho que ama profundamente (mas também silenciosamente e sem ardor) aquela jovem brilhante que é a sua mulher e que já não se encaixa no papel da mulher rica e ociosa da sociedade indiana mas que ainda borda chinelos e lenços para os seus amados. Demasiado bom, pacato e intelectual, o homem mais velho parece ter nascido para ser traído, tem uns olhos tristes onde se anunciam desde o primeiro momento todas as tragédias de que será alvo. Mas ao mesmo tempo a sua bondade é essa barreira onde param os futuros amantes, incapazes de consumar a traição. Habituados que estamos a encarar todos estes sentimentos de forma simples, quase esquemática, é bom ver alguém que retrata a complexidade real que todos estes sentimentos têm.

Mais uma vez, que bem se esteve na fila H, mesmo que sozinha num cinema vazio.

~CC~






quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Este dia



De quantos chás precisarei hoje se acordei com os pés frios e a alma inquieta? A chuva não me assusta mas a escuridão do dia sim, por várias vezes o écran do GPS fez do dia noite. De quantos chás precisarei hoje? Fui-me perguntando, enquanto os ia bebendo, se conseguiria vencer o desconforto. Apostei que com o de maça e canela, resultaria, mas nem por isso. Durante a tarde a percepção clara de que os meus alunos pouco percebiam do que andávamos a fazer, claramente escolarizados, é difícil fazê-los compreender o que podemos aprender quando vamos aos locais falar com as pessoas. As coisas que se aprendem estão todas algures na Internet em artigos que aparecem magicamente quando colocamos um tema no moodle.

Ao fim da tarde a miúda adensou o frio, o exame para o qual estuda intensamente há dias correu-lhe mal.

Há qualquer coisa partida cá dentro. Preciso de uma cola para o amanhã.

~CC~

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Essa alegria



Grandes cartazes publicitários, cada vez maiores à medida que se aproximava a data de abertura. Finalmente para muitos, Setúbal ia ter um grande centro comercial, talvez fosse a única cidade de média dimensão a escapar heroicamente. Abriu a meio da semana, mas no fim de semana passado a alucinação parece ter sido enorme e as conversas enchiam-se de comentários ao dito. Certo é que no sábado desci à baixa para avaliar o prejuízo. Duas das maiores lojas da baixa, de cadeias de pronto a vestir (não lhes faço publicidade e pronto) ostentavam cartazes a referir a mudança para o centro comercial. Assim se despovoam os centros históricos e se mata o que resta do comércio tradicional. 

Ontem lá fui espreitar essa catedral ao consumo. Confesso a apatia, as mesmas lojas de sempre, nem uma diferente, até já os cafés são iguais aos dos outros centros comerciais. A minha única curiosidade era a loja da FNAC, mas espanto meu, é pequeníssima, sem café nem área cultural, devem estar a experimentar um modelo qualquer outro, porque se parece com tudo menos com uma livraria. Desfeita a única esperança, nada mais há a dizer, nem sabemos em que parte do país estamos, nem em que parte do mundo, é tudo a mesma coisa, um dia o mundo irá reduzir-se a seis ou sete cadeias de roupa, duas ou três de sapatos e decoração e uma única cadeia de gelados que ganhou a corrida. Parece que aqui nem faltaram algumas tricas entre as cadeias de pronto a vestir, com duas ou três a vetarem a entrada de uma terceira por vender muito barato. Chantagem à séria.Claro que atentos às dinâmicas locais, lá enfiaram um golfinho como escultura à entrada e baptizaram as portas com nomes alusivos a zonas da cidade, uma interessante cosmética regional.

Essa alegria do consumo bem espelhada no nome do próprio centro comercial, não me diz rigorosamente nada. Como é que neste país, com tudo o que já se aprendeu, se continuam a construir centros comerciais. Bom, mas já nada espanta, parece que está em construção a cidade do futebol depois dos muitos estádios falidos do Euro2004.

~CC~


domingo, 16 de novembro de 2014

Fila H



Não sei se vocês também têm uma fila preferida num cinema perto de vós, talvez mesmo um lugar nessa fila. No cinema da minha cidade esgota primeiro sempre a fila onde podemos estender as pernas, onde ninguém está à nossa frente, onde o écran parece ser só nosso. Aprendemos uns com os outros que é a melhor fila, aprendemos com quem aqui nasceu, com quem nos levou pela primeira vez, é por estas pequenas coisas que começamos a pertencer a uma cidade.

É na fila H que recebo a festa do cinema francês, desta vez muito curta, sabe a pouco. Mas sabemos que se estendeu a mais cidades, um mal por um bem maior. Num país que nos habituámos a ver como avesso à emigração e onde a Frente Nacional ganha cada vez mais terreno, parece impossível um documentário como La cour de Babel, um ninho onde os miúdos de todo o mundo ganham asas para poder voar num território tão adverso como a França. Trabalho de tricot de uma professora que parece assumir a direcção da turma, costura afectos mesmo se tem linhas de dor. Gostei particularmente do modo como ela chama as famílias, dando-lhes espaço para que se expliquem por si mesmo, em vez de iniciar a conversa pelo sermão, é assertiva e exigente, é doce e amiga. Uma surpresa esta França.

~CC~

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Sim, nós podíamos...



Eles podem, está a acontecer aqui mesmo ao lado. Querem convencer-nos que nós não. Quem? Os partidos políticos convencionais, os sindicatos, ou seja, as organizações instaladas nos esquemas de acesso ao poder. Quem participou nas manifestações dos indignados sabe bem o que foi ter outra vez lágrimas nos olhos por alguma coisa, sabe dos cartazes e das faixas sem encomenda, que nasciam bem longe das fábricas de propaganda, saiam genuínos e cheios de frescura como eram os primeiros cartazes do PSR, muito antes de se juntarem ao bloco de esquerda e constituírem uma espécie de sumos detox das causas fracturantes. Sei que muitos daqueles jovens se foram embora do país, conheço mesmo casos, alguns de família. Mas as manifestações não eram só de jovens, todas as gerações estavam presentes. Faltou o quê? Poder de organização? Fácil sedução das organizações sindicalistas que no fundo queriam era engolir estes movimentos? Dificuldade de articular vozes que se erguiam sem grande ideologia de fundo? Ser anti-capitalista não chega, é preciso mais...mas seria um princípio, uma base.  Derrubar é fácil, construir é difícil. Nós não chegámos a uma coisa e muito menos à outra...mas ainda me custa pensar nisto como um passado, alguma coisa que não volta mais. Precisávamos para já de voltar às ruas.

~CC~

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Uma esperança fugaz


O tempo corre veloz contra mim, digo que é contra por me roubar quase tudo o que é lazer, possibilidade de vir aqui, de escrever, quase de respirar. 

Depois olho melhor e vejo que ele corre assim porque eu o fiz correr, presa da ideia de que consigo aumentar consideravelmente o número de horas de um dia. Podia ser pelo dinheiro porque tanto preciso dele. Mas parte do que faço não tem remuneração alguma ou tem baixa remuneração. Deve haver uma crença qualquer que não consigo expressar com clareza, muito subtilmente vestígios da adolescência de querer mudar o mundo, hoje redimensionado para uma pequenina marca, um vestígio, um papagaio a cair no cimo de uma serra.

Como me senti tão mal no Verão e agora me sinto melhor e sinto-me melhor no auge de tanto stress e trabalho, também receio ter-me viciado nesta louca vida, nesta adrenalina de esforço, neste adormecer de exaustão. Só ter tanto gosto por um jantar com uma amiga, por um cinema tirado a ferros no fim de semana, por um passeio na praia, me faz ter esperança que afinal isto não é vício, mesmo que parece um círculo vicioso entre congressos, formação contínua, organização de seminários, reuniões da associação, aulas e mais aulas. Gosto muito de todas estas coisas mas a minha vida é um excesso de coisas. Ainda há esperança nos meus pensamentos fugazmente poéticos sobre este frio que chegou em Novembro, nos minutos da manhã em que fico a olhar as nuvens reflectidas no espelho do meu quarto ou quando simplesmente penso no sabor de um beijo.